subtítulo: POR UMA HISTÓRIA DA AUTONOMIA, ITÁLIA 1970
A final, sobre o que é este livro? Estamos na Itália, no início da década de 1970, a especulação financeira, a fragmentação extrema do trabalho e o domínio através da comunicação estão a serviço do que o filósofo Giorgio Agamben chama de “a pequena burguesia planetária”. O primeiro choque do petróleo de 1973 foi uma declaração de guerra por parte dos países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), que reduziram significativamente a extração e exportação de petróleo bruto: é o fim para o mundo ocidental da ilusão da simbiose produção/consumo/crescimento infinito.
A partir disso, a revolta juvenil se alastra em todos os setores do trabalho e, desde as fábricas, as ruas e demais localidades consideradas até então privadas são ocupadas e geridas para o “comum”, de modo público e coletivo.
Os autônomos mudam a luta em sua forma inventando, por meio de seu espontaneismo, formas inéditas de resistência, mas mudam o fundo do problema: não lutam mais para transformar e melhorar o trabalho, lutam contra o trabalho. O trabalhador recusa-se a si mesmo como trabalhador, nega-se a si como força de trabalho disponível e empurra a luta para fora das fábricas, cultiva o fora. Há essa descoberta constantemente renovada de que o Estado não é uma entidade neutra, localizada acima dos partidos, mas sim “um ator fundamental do desenvolvimento capitalista”. A luta, portanto, logicamente não pode mais ser interna à empresa, à fábrica, mas deve se tornar uma luta social e política. O absentismo explode e se torna uma prática generalizada, comitês são organizados e mercados secundários (ou melhor, mercados vermelhos) aparecem, onde podem ser adquiridos alimentos muito mais baratos do que os dos canais de distribuição convencionais. Casas e apartamentos são requisitados, lugares são ocupados e a técnica de “apropriação direta” se espalha. Todas essas ações têm apenas um objetivo: atender às necessidades primárias e comuns dos trabalhadores, ou seja, comer, morar, falar e, acima de tudo, “ser feliz” .Cultivar a felicidade. Essa felicidade cuja prática “é subversiva quando se coleciviza”, segundo a revista A/traverso, principal mei de comunicação autônomo fundado em Bolonha, com o jornal Rosso, fundado em Milão, que constituirão os marcos teóricos do movimento, assim como a Rádio Alice, que dá voz a todos e que dá vida às ideias dentro dos grupos bolonheses.
Revolucionar a vida “aqui e agora”!
— Philippe Petit e Cyril Bérard
* parte do texto Qu'est-ce que l'autonomie politique?, publicado em www.marianne.net, em 2012
UM PIANO NAS BARRICADAS – Marcello Tarì
Nos turbinados dos filmes sociais e políticos dos anos 1970 na Itália, a Autonomia é apresentada como um método intermediário entre Marx e a antipsiquiatria; a Comuna de Paris e a contracultura; o dadaísmo e o insurrecionalismo; o operaísmo com o feminismo e muitas coisas com outras muitas coisas. Mas, acima disso tudo, a Autonomia apresentou uma descontinuidade profunda com a prática do Movimento Operário oficial. Não era e nunca foi uma organização, mas uma multiplicidade que se organizava a partir de onde residia, trabalhava ou estudava os sujeitos que a deram forma. Na Autonomia, de fato, muitas autonomias específicas surgiram e coexistiram: as dos movimentos operários, dos estudantes, das mulheres, dos homossexuais, das pessoas encarceiradas, melhor, de qualquer pessoa que escolhesse, a partir de suas próprias contradições, o caminho da luta contra o trabalho assalariado e o Estado, ou seja, um modo reluzente de subversão da vida.
Se o Movimento dos anos setenta acabou sucumbindo às forças combinadas da máquina estatal e do Partido Comunista, a história da autonomia destaca-se desse contexto, pois é a de uma aventura revolucionária cuja incandescência atual é mais relevante do que nunca. As relações entre Autonomia e os demais movimentos da extrema esquerda italiana - de Potere Operaio a Lotta Continua, de Lotta Communista ao Manifesto - são explicadas em teoria e ação. Como os grandes momentos da autonomia - um comunismo "impuro", que reúne Marx e a antipsiquiatria, a Comuna de Paris e a contracultura americana, dadaísmo e insurrecionalismo, trabalhadorismo e feminismo". Tarì não escreve que autonomia foi o nome de uma organização: deve-se sempre referir-se às autonomias, das trabalhadoras, dos estudantes, das mulheres, dos homossexuais, dos prisioneiros, das crianças "de quem teria escolhido o caminho e a luta contra o trabalho e contra o Estado, a secessão com a fantasia da sociedade civil e a subversão da vida em conjunto com os outros”. E se o movimento acaba sucumbindo sob as forças combinadas da máquina estatal e do Partido Comunista, sua história é a de uma aventura revolucionária cuja incandescência está mais do que nunca presente nos nossos dias.