Este livro é a expressão de uma pesquisa original e rigorosa da filosofia brasileira contemporânea. A categoria “filosofia brasileira” não significa aqui uma reflexão “autóctone”, preocupada apenas com sua própria identidade. Tampouco é condescendente com a prática reiterada nas faculdades de filosofia no Brasil, que é a de glosar os conceitos de autores europeus e divulgar suas doutrinas. Claudio Medeiros escreve um livro que usa metodologicamente pensadores como Foucault e Deleuze, sem precisar citá-los academicamente, para traçar uma genealogia da medicina política, com apurada investigação em arquivos da cidade do Rio de Janeiro oitocentista em torno das “visibilidades e enunciabilidades” do “dispositivo médico-higienista”, e em sintonia com uma criação de conceitos singulares sobre as linhas de fuga das resistências populares.
As três linhas intensivas que compõem o livro – transformações urbanas na Corte Imperial; as práticas higienistas em suas relações com a experiência da epidemia; a cidadania negra e as insurgências cotidianas – tramam um enredo genealógico entretecido na historiografia, na literatura, na arquitetura, e na filosofia, a todo momento formando encruzilhadas: são vias que passarão por vielas, quebradas, becos, morros e matas. Ali estarão os viventes: pessoas escravizadas e forros, quilombistas urbanos, abolicionistas, curandeires, assimilades e conspiradories - as almas encantadas dos subúrbios.
Na tentativa de fazer justiça a essas pessoas, a genealogia proposta por Claudio Medeiros é também uma memória de rastros das vivências, um ritual de invocação imediatamente político que nos fala sobre destruições e resistências, desaparecimentos e aparições: sobre aqueles muros destruídos que “não serviram para aproximar, mas para resolver um excesso de presença”.
Jonnefer Barbosa