O texto a seguir é a segunda contribuição de Silvestre Mendes de Oliveira, ou simplesmente Silva da Banca, ao blog-revista da GLAC edições. Neste roteiro musical de teatro, é quase certo que, com a ajuda da memória, quem lê vai formar as imagens do bar, das figuras que o frequentam, das discussões, brincadeiras e conflitos. As cenas que Silvestre constrói mexem com o imaginário coletivo do que é um buteco e ativa as lembranças de todos nós que somos assíduos frequentadores desses estabelecimentos. Em meio a essas imagens, Silvestre ainda cria entrecruzamentos com a violência policial, opressão de classe e de gênero, e discriminação religiosa – todos (inclusive o buteco), talvez, elementos indissociaveis da vivência brasileira.
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BUTECO
por Silvestre Mendes de Oliveira
Roteiro musical de teatro
Atores atrizes
João / Pretinha / Manú / Mané / Ronaldinho / Medina / Bem Dito / policial / Dinorá / delegado / Guedes / Zé Bedeu
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ATO I
João ENTRA EM CENA
Levanta a porta do bar
Se benze
Liga a luz
Entra e abaixa a porta
Olha o relógio que marca 13:30
Caminha até o balcão
liga o rádio
sintoniza a estação
Sai do balcão
começa a arrumar o bar.
(arruma as cadeiras e limpa as mesas)
Confere se está tudo certo
Levanta de novo a porta do bar
Olha pro céu num gesto de agradecimento
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Pretinha sentada na manicure da esquina
Fazendo as unhas
Ouve o som da porta do bar abrindo.
Levanta vai até a porta do salão e olha pro bar.
Volta pra terminar as unhas com Manú
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Diálogo
Pretinha / Manú (manicure)
MANÚ
Esse seu João é um cara de compromisso: abre às duas da tarde em ponto, há mais de vinte anos!
PRETINHA
Pois é, Manu, o cara rala pra caramba e não dá conta de pagar o sistema nem os fornecedores, tá foda... Hoje vai ter um samba lá, e justo hoje, que tô de folga, ele me chamou. Vô lá dá uma ajuda pra ele --- a rua tá difícil, amiga... Tenho que chegar às 3 horas, senta o alicate aí, Manú.
MANÚ
Já tô terminando, só falta essa última cutícula, já que você não quer pintar.
PRETINHA
Ai, ai, aaaai!...
MANÚ
Fica quieta, Pretinha, foi só um bifinho!
PRETINHA
Então, queria até pintar, mas como vou ajudar o João, vai acabar estragando. Coloca só uma base mesmo e tá bom.
MANÚ
Prontinho, viu como foi rápido?
PRETINHA
Valeu, Manú, bom trabalho, ficou linda. Assim que o João me pagar, venho acertar contigo. Beijo.
MANÚ
Vai em paz, Nega. À noite eu encosto lá, tchau.
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(Pretinha sai Manú fala consigo mesma)
MANÚ
Essa “Bruninha” é foda.. Rala pacarai...
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Pretinha sai do salão
destrava a bicicleta
Não monta vai empurrando a bike
atravessa a rua andando até o João
Encosta a bike
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Diálogo
João / Pretinha
JOÃO
Oi, celebridade... tudo bem?
Chegou cedo hoje.
PRETINHA
E aí, seu João, tudo beleza?
Eu estava ali na Manú fazendo as unhas... Vô lá na goma guardar a magrela, tomar uma ducha, e já, já eu volto.
JOÃO
Conto contigo, irmã!
PRETINHA
Estou viva, seu João, não se preocupe. Confia na mãe que não vou ramelar na missão. O senhor sabe que a vida não dá colher de chá, trabalhei até de madrugada mas tô na área, se eu for viver só da rua, morro de fome. Até daqui a pouco. Hoje o bicho vai pegar.
JOÃO
Vai lá, fia.
PRETINHA
É nós, seu João, partiu chuveiro.
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Pretinha monta na bike
O traseiro fica bem empinado
João não tira os olhos até ela virar a esquina.
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(João entra pensativo, falando sozinho)
JOÃO
Ah, se eu tivesse uns 20 anos a menos...Nem precisava do azulzinho.... Rá, rá, rá, rá! Mas a preta tá em outra, nem tão cedo vai querer homem fixo na caminha dela.
João pega os tacos de sinuca em cima da mesa, coloca no suporte. Vai pra detrás do balcão.
Chega o primeiro freguês.
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Primeiro cliente: Mané
Mané entra no bar
Vai até o balcão
Apoia o braço
Diálogo
Mané / João
MANÉ
Salve, seu João, vamos começar os trabalhos, põe aquela e passa a régua.
JOÃO
Começando cedo, camarada!
MANÉ
A gente tem que se hidratar... Aproveita e me dá aquele torresmo peludo, não, não, me dá aquele ovo rosa.
JOÃO
Vai pimentinha?
MANÉ
Manda!
(Mané fica batucando no balcão, acompanhando o samba no rádio.)
JOÃO
Conhece esse samba, Mané?
MANÉ
Já ouvir muito no rádio. Bom pacaralho !
Quem são esses cara?
JOÃO
Ah, esse pessoal é o “Lado B”, que as grandes gravadoras não querem gravar. São os “Bocas de Versos” um grupo que toca aqui nas quebradas da zona leste. Aliás, hoje eles vão fazer uma roda de samba aqui. Pinta aí de noite.
MANÉ
Pode crê, sei quem são. Rapaziada promissora, sempre fazendo coisa nova. Uma hora eles vão estourar!
JOÃO
É isso aí! Puxa uma cadeira aí, Mané, deixa eu esquentar o mocotó.
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Panela no fogão
João cantando ao som do rádio
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Cliente chegando (MEDINA)
Sotaque (nordestino)
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Diálogo
Medina / João
MEDINA
Salve, seu João!
JOÃO
Fala aí, mano Medina!
MEDINA
Tô sentindo cheiro de mocotó, vou querer um pra segurar a bebedeira. Tá reservada aquela mesa ali ou posso sentar?
JOÃO
O que é isso, camarada? Malandro não senta, malandro se acomoda... rá, rá, rá, rá!
MEDINA
Vacilei, seu João, um a zero pra você. Olha: junto com o mocotó, manda aquela gelada pra mim!
JOÃO
Ao seu dispor, camarada! Se acomode que eu já chego aí;
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João leva cerveja e o mocotó até a mesa, e já cumprimenta outro casal que acabou de chegar.
JOÃO
Vamo chegando que eu já vou trazer o cardápio, o mocotó acabou de sair.
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O Bar começa a encher.
Pretinha chega de vestido curto e o pessoal torce o pescoço pra admirar a moça.
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Cochichos dos clientes
CLIENTES
(Seu João é que é feliz, uma funcionária assim todo mundo queria!)
(Eu pagava o dobro pra ela trabalhar pra mim...)
(Quero ser servido por ela!)
(A cerveja pode até vim quente, mas bebo assim mesmo!)
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PRETINHA
Tamo na área seu João, já vou atender ali.
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Pretinha chega pra atender “Bem Dito”.
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(João olha de lado
Fala consigo mesmo)
JOÃO
Isso não vai prestar...
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Bem Dito nem espera pretinha mostrar o cardápio e começa o xaveco.
Em dueto musical
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Primeira cena musical
( dueto musical)
PRETINHA x BEM DITO
BEM DITO
Vamo lá pra casa, Pretinha
Tira esse avental
Quero você só pra mim
Deixa esse povo pra lá
PRETINHA
Sai pra lá, seu vagabundo
Vê se deixa de xaveco
Vim aqui pra trabalhar
Respeite o nosso boteco
BEM DITO
Pra que tanta brabeza
Eu só quero te ajudar
Não me maltrate assim, Ó Pretinha
Senão eu posso gamar.
PRETINHA
Tu não merece resposta, malandro
Não vê que eu vim trabalhar
Pra você eu dou as costa
Vê se tu vai te catar
BEM DITO
Por você eu cato lixo
Posso até lamber o chão
Não me maltrate assim, ó Pretinha
Tu manda no meu coração.
(Breque pra terminar )
PRETINHA
Vixi, eu nunca vi malandro que é malandro lamber o chão!
(Sai, vai atender outra mesa)
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Bem Dito fica revoltado na mesa
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Pretinha continua em movimento, limpando mesa,
enquanto o pessoal vira o pescoço pra acompanhar.
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Mulher discutindo por ciúmes da Pretinha,
Repreendendo o companheiro.
(Bar lotando)
Samba tocando no rádio
Pretinha sai no rebolado, chega no balcão.
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PRETINHA
Seu João, vou no banheiro.
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Ela sai, Bem Dito vai atrás da Pretinha no banheiro e começa a xavecar.
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Diálogo
Bem Dito / Pretinha
BEM DITO
Olá, minha beldade, tem um tempinho pra mim?
PRETINHA
Vaza, malandro, que não quero papo e tenho muito serviço!
BEM DITO
Acredita em amor à primeira vista?
PRETINHA
Quem vai na conversa de pato é ganso, essa cartilha eu conheço de cor e salteado. Deixa eu voltar que o bar tá lotado, e não quero saber de lorota.
BEM DITO
Nem depois do expediente?
PRETINHA
Nem depois do funeral! Vaza, malandro!
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(João-chama pretinha pelo nome)
Bruninha, tem mesa pra ser atendida.
(PRETINHA)
Tô indo, seu João, deixa eu despachar esse mala!
Pretinha mostra o canivete e ameaça Bem Dito:
(PRETINHA)
Respeito é bom e conserva as bolas no lugar, malandro! Sai fora!
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(Bem Dito volta magoado, senta, bebe o copo de um trago e começa a cantar _
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Segunda cena musical
Melodia de valsa
(Bem Dito cantando )
Mesmo que me acabe com seu veneno
Eu mordo a maçã...
No seu conto de fadas em vez de príncipe
Eu sou só o vilão.
Parece que nossa história
Até agora não tem solução...
Mas no seu conto de fadas
Caio na cilada com satisfação...
Neste show da vida nossa canção ainda não tocou
Como um botão de rosa que ainda não desabrochou
Daí eu volto pro bar, na cachaça vou me afogar
E vou beber cada lágrima que rolar...
(João chega pra conversar com Bem Dito)
JOÃO
Eita, Bem Dito, hoje é dia de festa, sem chororô no meu bar!
BEM DITO
Pois é, seu João, vou terminar o goró e saltar fora, afinal, Nega Celeste anda me procurando, e eu fico aqui perdendo tempo com a Pretinha... Partiu, Mangueira!
JOÃO
Se liga, malandro: Pretinha tem compromisso, e tu já viu que não vai rolar, vai atrás de outro amor!
BEM DITO
Inté mais, seu João! Aquele abraço!
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Seu João cantando
Terceira cena musical
"De mala e cuia"
De mala e cuia foi embora pra Mangueira
Atrás de uma duvidosa mulher
Deixou pra trás seu tamborim e seu pandeiro,
Até a camisa verde-branco de fé.
Meu amigo, te confesso, a saudade que me dá
Sinto falta dos seus versos
Partideiro como o estimado,
Faz tempo não vejo mais
Mas se for encontrar felicidade
Ficar por aí é o melhor que você faz...
Mas dê notícias pois eu guardo aqui comigo
O seu pandeiro com carinho, meu amigo...
ATO II
João / Ronaldinho / Guedes / músicos / Bedeu / Zé navalha / policial / Dinorá
Atores João / Ronaldinho / Guedes / músicos / Bedeu / Zé Navalha / Pretinha / policial / Dinorá
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Chega Ronaldinho, elegante, dando passos de dança;
(RONALDINHO)
Esse samba é lindo, seu João! É coisa sua?
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Diálogo
João / Ronaldinho
JOÃO
Olha quem tá chegando, Ronaldinho Pé de Valsa!
RONALDINHO
Tamos aí, seu João! Que horas vai começar a gafieira? Já estou aquecendo, e hoje eu vim alinhado, dá uma olhada nessa carrapeta, olha esse paletó, se liga na estica do malandro!
JOÃO
Tá elegante toda a vida, Ronaldinho! Passou naquele brechó que eu tô ligado, só pano da hora!
RONALDINHO
Pois é, seu João, sabe que a parada é uma pedreira pra gente roer, mas malandro não se aperta, dá seu jeito! Põe aí aquela branquinha, camarada!
JOÃO
A de sempre?
Ronaldinho (faz gesto de “espremer”)
Pinga aquele limãozinho!
(Grupo de músicos chegando)
"Local reservado para músicos"
Músicos acomodando os instrumentos
Líder dos músicos chega no balcão (Guedes)
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Diálogo
Guedes / João
GUEDES
Fala, seu João!
JOÃO
E aí, camarada Guedes, como é que tá?
GUEDES
Contente, camarada... Tamo trabalhando muito, a resposta do público tá legal, mas a bolacha tá complicado, nossos fonogramas vão contra o sistema dos poderosos... Aí fica difícil... mas tamo nas paradas, somos os primeiros da ZL!
JOÃO
Fico feliz pelo amigo, tudo vem no seu devido tempo. Viu aí quem tá na área? Olha a estica do malandro que veio curtir o samba!
GUEDES
Grande Ronaldinho, o mais elegante da Zona Leste, traje a rigor em qualquer ocasião! Esse é um clássico do samba!
RONALDINHO
Epa, camarada! Tá querendo dizer que eu virei enredo? Quero ver essa parada ai!
GUEDES
Só se fora agora !
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Guedes dá um bico na cachaça
Estala a língua e saboreia como se fosse a fonte da inspiração.
GUEDES
Hum, essa aqui é alambicada...
Coloca o copo no balcão,
batendo o copo já fazendo batucada.
Tic tic tic tic tic tic tic
Tira caixinha de fósforo do bolso com elegância, pega o ritmo e canta.
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*ATENÇÃO ( música pode ser trocada )
(Você chegou na gafieira) OU se você for na gafieira)*
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Música 1
Você chegou na gafieira
Com seu belo paletó
Trouxe junto a nega Dithe
Porque você não anda só
Não vá só, não vá só
não vá só, não vá só
não vá só, não vá só
Não vá só, não vá só
Carrapeta quatro e meio, antiderrapante
Sincopado dividido
Zigue-zagueante
Sincopado dividido
birigüigui dançante
Não vá só, não vá só
não vá só, não vá só
não vá só, não vá só
Não vá só, não vá só
Botou aquele almíscar
Passou goma no cabelo
Pente fino no topete
Até descolou um dinheiro
Pra tomar uma branquinha
Antes do saracoteio
Não vá só, não vá só
Não vá só, não vá só
Não vá só, não vá só
Não vá só, não vá só
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Música 2
Se você for na gafieira
com seu belo paletó
leve junto a nega Dithe
por favor, não ande só
Não vá só, não vá só
não vá só, não vá só
não vá só, não vá só
Não vá só, não vá só
Carrapeta quatro e meio, antiderrapante
Sincopado dividido
birigüigui dançante
Sincopado dividido
Zigue-zagueante
Não vá só, não vá só
Não vá só, não vá só
Não vá só, não vá só
Não vá só, não vá só
Botou aquele almíscar
Passou goma no cabelo
Pente fino no topete
Até descolou um dinheiro
Pra tomar uma branquinha
Antes do saracoteio
Não vá só, não vá só
Não vá só, não vá só
Não vá só, não vá só
Não vá só, não vá só
Nega Dithe fez prancha no cabelo
Unha feita, maquiada
Lavou os panos com capricho
Deu uma boa passada
Vai sair toda produzida
Cheirosa e empetecada
Não vá só, não vá só
Não vá só, não vá só
Não vá só, não vá só
Não vá só, não vá só
Se você for na gafieira
com seu belo paletóóó. . .
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Guedes Interrompido
músicos chamando Guedes
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MÚSICOS
Ai, mano Guedes, encosta pra fazer aquele espetáculo que o público tá esperando.
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Guedes fala pra Ronaldinho:
GUEDES
Depois termino essa história, vamos começar o samba!
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Guedes sai tocando a caixinha de fósforos em direção à banda.
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O bar se anima, povo levanta pra dançar.
Músicos tocando, povo dançando e o bar bombando.
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Entra o pai de santo no bar
Todos os presentes olham pro recém-chegado.
Pai de santo encosta no balcão
Burburinho entre os presentes.
Todo mundo de olho no pai de santo.
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Diálogo
João/ Bedeu
JOÃO
Saravá, pai Bedeu.
BEDEU
Saravá, mizifio.
JOÃO
Quanto tempo não lhe vejo, meu pai.
O que meu pai vai beber? O de sempre?
BEDEU
Mizifio sabe que num sou de mudar, o universo é que muda!
Andei resolvendo umas paradas por aí, ainda não terminei, mas acho que hoje finalizo.
(Bedeu olha de lado, de cara feia, mirando um desafeto)
JOÃO
Vai com calma, meu pai, olha quem veio aqui me ajudar!
BEDEU
Tô ligado, seu João, a Pretinha alegra o clima do ambiente. Mizifio: põe aí a segunda. Alguém que bebe comigo não tá satisfeito com uma pessoa aí...
JOÃO
Vá com calma, meu pai, estou pressentindo algo no ar... Por enquanto o clima é de festa, pega leve, por favor.
BEDEU
Agora mizifio também deu pra fazê previsão?
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Bedeu acende o charuto em modo de ritual pra incorporar o guia (Zé Navalha)
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João sai de lado pra se ocupar de outras coisas (lavar copos etc.), com cara de desconfiado.
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Povo do bar cochichando sobre Bedeu.
(Não é aquele pai de santo que…. É ele mesmo... O homem tava guardado... zumzumzum...)
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Policial na mesa fala em voz alta com Dinorá, o povo olha
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Diálogo
Polícia / Dinorá
Policial
Dinorá, esse aí não é aquele pai santo que eu dei um sacode e levei pra delegacia?
DINORÁ
Sim, FULANO, é aquele charlatão mesmo, ele teve o que mereceu. Parece que ele voltou de boa, depois do sacode.
Polícia
É ele mesmo... o charlatão da praça da Sé, rá, rá, rá, rá...
Até fiz um samba pra ele... Vou falar com os músicos e esculachar esse 171.
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Polícia levanta vai até os músicos e pede:
Polícia
Dá um ré maior aí, maestro.
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Policial cantando
Quinta cena musical
Zé Bedeu dizia que era adivinhador
Que era vidente, que previa o futuro
Na hora H, o Seu Zé se enrolou
Em vez de revelação, mostrou que era charlatão
Quem fala demais só se mete em confusão...
Barraca armada, a clientela chegou
Zé disse nada com nada
O povo todo se irritou.
Dinorá era brava, daí o pau comeu
Quebraram o braço, a perna e o nariz do Zé Bedeu.
Chamaram a viatura, foi a maior confusão
Puxaram a capivara, não era surpresa, não.
O cana bravo chiou com relatório em mão.
Zé Bedeu 171, vou te mandar pro cadeião.
Sentaram o pau
No malandro do Zé Bedeu
Vai enganar em outra área
Aqui quem manda sou eu.
Sentaram o pau
No malandro do Zé Bedeu
Vai enganar em outra área
Aqui quem manda sou eu.
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ATO III
ZÉ BEDEU (grita)
Parou a música!
Música silencia. Povo espantado.
Zé Bedeu puxa a navalha
Dá risada no meio do salão
Incorpora Zé Navalha, chama pra briga.
Anda elegante e malandreado.
Policial fica de um lado da mesa de sinuca e Bedeu do outro
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Diálogo
Bedeu / Policial
BEDEU
Pra você, policialzinho de meia tigela, deixo a navalha e só uso as pernas!
Policial
Seu tempo já era, seu charlatão, vou te ensinar a não enganar mais ninguém.
(Rodam ao redor da mesa com ginga de malandro, ameaçam pegar os tacos)
PRETINHA
Vamos acalmar, pessoal, hoje é dia de festa!
Policial
Cala a boca, sua vadia!
Tu tá me devendo duas semanas!
(Dá um tapa na cara da Pretinha)
PRETINHA
Na rua estou acostumada com isso, mas essa foi a última vez! Sua hora vai chegar!
BEDEU
Fica na sua Pretinha, vou dar um jeito nesse covarde.
JOÃO (bate no balcão e berra)
Gente, não quero confusão no meu bar! Se querem se matar vão pro meio da rua!
BEDEU
Tudo certo, seu João, a encrenca não é contigo, mas seu pedido é uma ordem. Vou dá uma lição nesse sujeitinho mequetrefe.
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A ginga começa na porta do bar, ambos saem fazendo estrelinhas até a calçada.
Ginga de capoeira
Povo faz a roda
Bedeu acerta o policial
Policial saca a arma
Bedeu desarma o policial e joga a arma fora.
Pega a navalha e golpeia a bunda do policial;
BEDEU (olha pra Pretinha)
Agora é sua vez, cumadi!
Pretinha usa o fiel canivete e dá uma, duas, três espetadas na bunda do policial, descontando os tapas que levava na rua.
Dinorá ajuda o policial a levantar; ele sai desmoralizado.
BEDEU (grita):
É o fim da exploração no jogo e das meninas!
O povo aplaude e vibra:
Êêêêêêêêê. . .
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No fundo a banda canta a música de Zé Bedeu
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Quinta cena musical
Ô Zé Bedeu...
Ôô ô Zé Bedeu...
Pra colheita de milho?
Bedeu não vai!
Pro engenho de cana?
Zé também não vai!
Pra catar café?
Ai... é que Zé não vai!
O que é que você quer ô Zé?
Zé Bedeu só quer paz, bom rapaz
O que é que você quer o Zé?
Zé Bedeu só quer paz, bom rapaz
É que Zé é retirante
Lá das terras da Bahia
Seu Zé não cumpre ordem
Da senhora burguesia
O que é que você quer, ô Zé?
Zé Bedeu só quer paz, bom rapaz
O que é que você quer, ô Zé?
Zé Bedeu só quer paz, bom rapaz
E se vier pra cima
Zé joga capoeira
Sabe brigar de mão
Também é bom na peixeira
O que é que você quer, ô Zé?
Zé Bedeu só quer paz, bom rapaz
O que é que você quer, ô Zé?
Zé Bedeu só quer paz, bom rapaz
Pode vir o capataz
Que o Zé tomba pra trás
Cai também o sargento
Sai todo sangrento
E se vier o capitão
Peixeira na mão
E se vier o general
Seu Zé cobre no pau
Porque Zé só quer paz
Zé não quer confusão
Zé não leva desaforo
Zé resolve na mão
O que é que você quer, ô Zé ?
Zé Bedeu só quer paz, bom rapaz
O que é que você quer, ô Zé?
Zé Bedeu só quer paz, bom rapaz
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Zé entra, vai no balcão e pede uma cachaça.
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BEDEU
Seu João? Põe aquela e passa a régua.
JOÃO
É pra já, mas é melhor cê dar o fora, porque aquele cana vai voltar com reforço.
BEDEU
Aquilo é covarde, Mizifio. Bedeu vai mas é por outros motivos, o puto daquele policial não volta mais aqui. Passou vergonha.
O que era dele tava guardado. Até a chefia dele se emputeceu com o safado... Já era! Agora a Pretinha tá livre.
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O abridor de garrafa cai no chão; João abaixa pra pegar e, quando levanta, só vê fumaça. Bedeu desaparece.
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Pessoal voltando pro bar
Burburinho nas mesas
Samba tocando
Pretinha servindo
Seu João no balcão
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Para um carro de polícia em frente ao bar.
Delegado desce da viatura, entra no bar e berra:
DELEGADO
Parou a música!
Caminha até seu João e começa o diálogo
DELEGADO
Recebemos uma denúncia, mas já sabemos o que aconteceu. A gente já esperava por isso. Quem planta, colhe. Agora, quem manda na área somos nós. O policial quebrou o acordo com os parceiros e nós vamos assumir a parada. Vai ser bom pra todo mundo.
JOÃO
Tudo bem, seu delegado, tudo bem... Já tô acostumado com essas coisas, só me fale o dia do acordo... (esfrega os dedos significando dinheiro) que eu já vou planejando.
DELEGADO
A jogatina e o bicho vão continuar a funcionar, as meninas vão ter o nosso apoio e proteção porque atraem freguesia. Ninguém mais vai abusar delas. O acerto das jogatinas vai ser quinzenal: cada duas semanas, meu pessoal passa aqui pra fazer o recolhe. Essa semana tá perdoado, aqui o papo é reto: libera duas caixas pro pessoal e a gente abate o custo na quinzena.
JOÃO
Combinado, seu delegado: a gente corre atrás da bola... e o senhor apita o jogo.
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Apertam as mãos
Polícia sai
João fala com os músicos pra aumentar o som.
JOÃO
Som na caixa, moçada!
O bar continua animado, e o vozerio aumenta.
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João vai até os músicos e pede licença pra um anúncio.
Pega o microfone e comunica:
JOÃO
Atenção, pessoal! A próxima rodada é por conta da casa, porque hoje não vou ter que pagar aquele polícia mequetrefe!
Plateia vibra:
Ebaaaaaaa!. . .
João com o microfone pede um tom aos músicos e canta.
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Última cena musical
Seu João cantando
Já tô cansado de bancar o otário
Me matando por um salário
Que nem dá pra sobreviver
Tudo que ganho já tem sua direção
Imposto, polícia e ladrão
Todos do mesmo metiê
Descobre um santo pra poder cobrir o outro
Cada dia mais difícil a minha situação
Devo no crédito tô sem débito e agora
Como se não bastasse devo polícia e ladrão
Devo no crédito tô sem débito e agora
Como se não bastasse devo polícia e ladrão
Por onde passo sou balaio de quitanda
Todo mundo olha de banda com cara de cobrador
Já estou farto de tanta amolação
Deixei até o meu fusquinha como penhor
Vou dá um jeito de sair dessa pendura
Vou vender alguma coisa pra poder me aprumar
Vou botar uma barraca de cachaça
Uma dose cinquentinha, meiotinha um real
Boto uma placa na frente da barraquinha
Não vendemos fiado não insista por favor
Aí quem sabe, até o fim do dia Se eu não beber o estoque
Um trocado já entrou
Aí quem sabe, até o fim do dia
Se eu não beber o estoque
Um trocado já entrou
FIM
*
Silvestre Mendes de Oliveira, ou mesmo, como é mais conhecido, Silva da banca, comanda a Banca Corredor Cultural há mais de 20 anos, que além dessa tem outras bancas, espalhadas pela cidade. A banca da praça é conhecida pela receptividade e o carisma de seu dono, por ser ponto de encontro de vizinhos - um salve pro Clube da Banca, que reúne um pessoal na banca há uns bons anos- e pessoas que trabalham no entorno. A banca trabalha com os livros da GLAC, além de quadrinhos, livros de literatura, teoria política, história de lutas populares, além dos itens que geralmente são encontrados em bancas de revista, como jornais, publicações de moda e decoração e palavras-cruzadas. A Banca Corredor Cultural está localizada na praça Dom José Gaspar, no centro da cidade de São Paulo, em frente à Galeria Metrópole e próxima da Biblioteca Mário de Andrade, a mais importante da cidade.
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